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Blog do Stevens Rehen

O dia em que quase atropelei Stephen Hawking

Stevens Rehen

14/03/2018 18h18

Nessa madrugada, enquanto desembarcava em Atlanta, recebi pelo WhatsApp mensagem de uma jornalista da Globo News avisando que Stephen Hawking tinha falecido e perguntando se eu não gostaria de escrever algo a respeito.

Estava na fila da alfândega, super preocupado em não perder o voo seguinte.

Não teria como escrever nada de substantivo sobre figura tão incrível naquele momento.

Agradeci a informação, lamentei o ocorrido e declinei o convite.

Só que enquanto corria para pegar a conexão para a California, lembrei do meu encontro "quase físico" com o cientista.

Estou agora dentro do avião, a caminho de San Diego, e resolvi escrever sobre essas lembranças…

Não valerão um artigo para o G1 mas de repente um post no meu blog.

Meados da década de 1990.

Estudante de mestrado no Instituto de Biofísica da UFRJ, queria testar a hipótese de que a proteína Rb fazia parte da maquinaria de suicídio celular que Rafael Linden e eu tínhamos acabado de descrever na retina em desenvolvimento.

O lugar ideal para realizar os experimentos complementares era o laboratório de Aviva Tolkovsky no Departamento de Bioquímica da Universidade de Cambridge.

Consegui as passagens com a FAPERJ mas não teria ajuda de custo além da bolsa que já recebia no Brasil.

Tinha 25 anos. Why not?!

Cheguei na Inglaterra com a grana contada.

Descolei um quarto com banheiro compartilhado pra morar.

O point do almoço era o estacionamento do departamento.

Pontualmente ao meio-dia parava um furgão com os sanduíches mais baratos do campus.

Comíamos eu e o pessoal que cuidava da obra do terreno ao lado.

Ao longo do dia, se batesse fome, me segurava com os biscoitos do tradicional chá das 5.

O jantar era religiosamente na lanchonete de um turco.

Por volta das 9 da noite, ficava lotada de imigrantes. Não tinha lugar para sentar e o pedido era no grito.

A comida era boa, eu variava entre hambúrguer e kebab, mas confesso que fiquei alguns bons anos depois pensando na doença da vaca louca.

Alimentação "equacionada", sobrou dinheiro para alugar uma bicicleta (meu meio de transporte) e também para, uma vez por semana, explorar os bares locais.

Eu curti o Eagle's Pub, onde Watson e Crick beberam e confabularam longamente até chegarem na estrutura do DNA, que lhes concedeu depois o Prêmio Nobel.

Esse tour semanal era feito sempre na companhia de um colega do grupo da Aviva.

Normalmente um estudante de doutorado inglês chamado Chris ou então um pós-doc indiano que agora me foge o nome.

Tomávamos uma ou duas canecas, eu contava sobre a vida no Brasil e eles sobre a Inglaterra ou então falávamos sobre os experimentos do dia.

Depois cada um pegava sua bike e seguia pedalando pra casa.

Num desses dias, resolvi apostar corrida com o Chris.

Chris era alto, pernas compridas e tinha uma bicicleta bem melhor que a minha.

Foi uma péssima ideia…

Quase sem fôlego, consegui emparelhar com ele no retão. O "plano" era aproveitar a esquina seguinte e ultrapassá-lo.

Calculei mal, entrei torto e para terminar de vez com a minha manobra, surgiram no final da curva um homem numa cadeira de rodas, empurrado por uma mulher de branco.

Por muito pouco não levo junto comigo a cadeira, seu ocupante e a senhora.

Consegui frear a poucos centímetros de distância, o suficiente para perceber que a pessoa na cadeira à minha frente era Stephen Hawking.

Trocamos olhares e aquele palavrão que eu estava prestes a soltar foi rapidamente engolido.

Montei na bike e continuei meu caminho hipnotizado pela sua figura paradoxalmente frágil e imponente.

Um ser humano que, mesmo imobilizado por décadas, presenteou a humanidade com sua mente brilhante, capaz de revolucionar nossa maneira de enxergar o mundo, passado, presente e futuro.

 

Sobre o Autor

"Stevens Rehen é um neurocientista brasileiro, coordenador de pesquisa do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. Também é Membro do Comitê Científico do Museu do Amanhã, Membro do Conselho Científico do Instituto Serrapilheira, Embaixador ASAPbio, Chair do Comitê Brasileiro da Pew Charitable Trust Latin American Program in the Biomedical Sciences, Coordenador científico da ArtBio, Membro da Academia de Ciências da América Latina e Membro Afiliado da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS).Prêmio Saúde 10 anos na categoria Saúde Mental e Emocional, Revista Saúde e Editora Abril (2015), Prêmio Faz Diferença, Jornal O Globo (2011), As 100 pessoas mais influentes do Brasil em 2009 e novamente em 2011 (Revista Época). Os 8 brasileiros que estão moldando positivamente o futuro do país (Revista Fora de Série), Jornal Brasil Econômico, 2009. Contato para palestras, eventos e institucionais: srehen@uol.com.br"

Sobre o Blog

O cotidiano de um cientista no Brasil.