O dia em que quase atropelei Stephen Hawking
Nessa madrugada, enquanto desembarcava em Atlanta, recebi pelo WhatsApp mensagem de uma jornalista da Globo News avisando que Stephen Hawking tinha falecido e perguntando se eu não gostaria de escrever algo a respeito.
Estava na fila da alfândega, super preocupado em não perder o voo seguinte.
Não teria como escrever nada de substantivo sobre figura tão incrível naquele momento.
Agradeci a informação, lamentei o ocorrido e declinei o convite.
Só que enquanto corria para pegar a conexão para a California, lembrei do meu encontro "quase físico" com o cientista.
Estou agora dentro do avião, a caminho de San Diego, e resolvi escrever sobre essas lembranças…
Não valerão um artigo para o G1 mas de repente um post no meu blog.
Meados da década de 1990.
Estudante de mestrado no Instituto de Biofísica da UFRJ, queria testar a hipótese de que a proteína Rb fazia parte da maquinaria de suicídio celular que Rafael Linden e eu tínhamos acabado de descrever na retina em desenvolvimento.
O lugar ideal para realizar os experimentos complementares era o laboratório de Aviva Tolkovsky no Departamento de Bioquímica da Universidade de Cambridge.
Consegui as passagens com a FAPERJ mas não teria ajuda de custo além da bolsa que já recebia no Brasil.
Tinha 25 anos. Why not?!
Cheguei na Inglaterra com a grana contada.
Descolei um quarto com banheiro compartilhado pra morar.
O point do almoço era o estacionamento do departamento.
Pontualmente ao meio-dia parava um furgão com os sanduíches mais baratos do campus.
Comíamos eu e o pessoal que cuidava da obra do terreno ao lado.
Ao longo do dia, se batesse fome, me segurava com os biscoitos do tradicional chá das 5.
O jantar era religiosamente na lanchonete de um turco.
Por volta das 9 da noite, ficava lotada de imigrantes. Não tinha lugar para sentar e o pedido era no grito.
A comida era boa, eu variava entre hambúrguer e kebab, mas confesso que fiquei alguns bons anos depois pensando na doença da vaca louca.
Alimentação "equacionada", sobrou dinheiro para alugar uma bicicleta (meu meio de transporte) e também para, uma vez por semana, explorar os bares locais.
Eu curti o Eagle's Pub, onde Watson e Crick beberam e confabularam longamente até chegarem na estrutura do DNA, que lhes concedeu depois o Prêmio Nobel.
Esse tour semanal era feito sempre na companhia de um colega do grupo da Aviva.
Normalmente um estudante de doutorado inglês chamado Chris ou então um pós-doc indiano que agora me foge o nome.
Tomávamos uma ou duas canecas, eu contava sobre a vida no Brasil e eles sobre a Inglaterra ou então falávamos sobre os experimentos do dia.
Depois cada um pegava sua bike e seguia pedalando pra casa.
Num desses dias, resolvi apostar corrida com o Chris.
Chris era alto, pernas compridas e tinha uma bicicleta bem melhor que a minha.
Foi uma péssima ideia…
Quase sem fôlego, consegui emparelhar com ele no retão. O "plano" era aproveitar a esquina seguinte e ultrapassá-lo.
Calculei mal, entrei torto e para terminar de vez com a minha manobra, surgiram no final da curva um homem numa cadeira de rodas, empurrado por uma mulher de branco.
Por muito pouco não levo junto comigo a cadeira, seu ocupante e a senhora.
Consegui frear a poucos centímetros de distância, o suficiente para perceber que a pessoa na cadeira à minha frente era Stephen Hawking.
Trocamos olhares e aquele palavrão que eu estava prestes a soltar foi rapidamente engolido.
Montei na bike e continuei meu caminho hipnotizado pela sua figura paradoxalmente frágil e imponente.
Um ser humano que, mesmo imobilizado por décadas, presenteou a humanidade com sua mente brilhante, capaz de revolucionar nossa maneira de enxergar o mundo, passado, presente e futuro.
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