Topo

Histórico

Blog do Stevens Rehen

Intervenção militar no Rio e a heurística da disponibilidade

Stevens Rehen

18/02/2018 17h05

"Nesses 70 e tantos anos de vida eu nunca vi escalada de violência tamanha no Rio de Janeiro" meu pai lamentou enquanto caminhávamos juntos anteontem.

Hoje, enquanto escrevia esse texto, minha mãe enviou um WhatsApp: "Li hoje uma coisa que fiquei triste – O Rio é o câncer do Brasil".

Antes de concordar que o fim do mundo (ou pelo menos da minha cidade) está próximo, resolvi recorrer à "heurística da disponibilidade", fenômeno de nome complicado no qual "pessoas julgam a probabilidade de um evento pela facilidade com que exemplos (desse evento) surgem em suas mentes".

A percepção da chance de algo acontecer é ainda mais forte quando os exemplos são ruins ou de risco, pois grudam no nosso cérebro muito mais que situações agradáveis ou felizes.

Comportamento justificado (e preservado evolutivamente) como estratégia de antecipação a situações de perigo.

Afinal, seguro morreu de velho.

Não fosse por isso, O Povo (aquele jornal que se espreme, sai sangue) não teria vendido tanto quanto vendeu na época pré-internet.

A questão é que muitas vezes nos enganamos no julgamento das probabilidades, e o pior, tem gente se aproveitando disso.

A população tem mais medo de avião do que de carro, apesar do risco de acidentes fatais ser 86 vezes maior nas estradas.

Dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública do Rio sustentam que não houve explosão de violência no Rio em 2018.

5.865 ocorrências foram registradas durante o Carnaval.

O número é inferior aos registrados em 2015 (9.062) ou 2016 (9.016).

O número de casos em 2017 (5.773) "não conta", pois a polícia civil estava em greve (e não fez registros de forma adequada).

Oba, vamos celebrar esses números?

Claro que não…

Como disse Tom Jobim, o Rio não é para principiantes.

Na prática, somos o 12o estado mais violento do país.

Um título nada fácil de ostentar, porém, em ordem de prioridade técnica, deveríamos aguardar na fila por 11 intervenções, antes de chegar a nossa vez.

Por que então a intervenção federal foi decretada justamente no Rio de Janeiro?

A Cidade Maravilhosa tem visibilidade global, um prefeito pateta e um governador lambão.

Além disso, a tal heurística da disponibilidade jogou contra…

92 milhões de brasileiros nas redes sociais e 120 milhões em grupos de WhatsApp foram bombardeados com vídeos de episódios violentos no Rio e concluíram, sem pestanejar, que teve início o apocalipse carioca.

Daí a sensação de meus pais de que "estamos lascados" e a oportunidade perfeita para o governo federal tentar apagar de nossas mentes a imagem do vampirão neoliberal.

O Rio de Janeiro não vai melhorar com intervenção militar.

Se fosse por isso, estaríamos resolvidos desde 1992.

Para quem não lembra (ou não era nascido), a primeira ocupação com tanques e soldados para "resolver questões de segurança pública" ocorreu durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco-92).

E nos últimos 10 anos, as Forças Armadas já estiveram por aqui 12 vezes com a mesma finalidade.

O futuro (e o presente) do Rio de Janeiro dependem de uma discussão sóbria sobre política de drogas, uma reorganização das polícias e a ocupação social das favelas.

Enquanto isso não acontecer, continuaremos no enxuga-gelo, suscetíveis a salvadores da pátria, incluindo sanguessugas e fascistas, e nos sentindo como metástases.

Foto: https://goo.gl/tye92Y

Sobre o Autor

"Stevens Rehen é um neurocientista brasileiro, coordenador de pesquisa do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. Também é Membro do Comitê Científico do Museu do Amanhã, Membro do Conselho Científico do Instituto Serrapilheira, Embaixador ASAPbio, Chair do Comitê Brasileiro da Pew Charitable Trust Latin American Program in the Biomedical Sciences, Coordenador científico da ArtBio, Membro da Academia de Ciências da América Latina e Membro Afiliado da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS).Prêmio Saúde 10 anos na categoria Saúde Mental e Emocional, Revista Saúde e Editora Abril (2015), Prêmio Faz Diferença, Jornal O Globo (2011), As 100 pessoas mais influentes do Brasil em 2009 e novamente em 2011 (Revista Época). Os 8 brasileiros que estão moldando positivamente o futuro do país (Revista Fora de Série), Jornal Brasil Econômico, 2009. Contato para palestras, eventos e institucionais: srehen@uol.com.br"

Sobre o Blog

O cotidiano de um cientista no Brasil.