A ciência é uma competição...
A ciência é uma competição. Vence quem primeiro publica (ou é reconhecido por isso)
Ao longo dos últimos 287 anos, cientista feliz da área biomédica é aquele cuja descoberta é publicada numa revista após avaliação secreta de 2 ou 3 especialistas.
O sistema quase tricentenário de avaliação por pares é moroso, falível, muitas vezes injusto e depende do humor desses 2 ou 3 especialistas.
Na prática, sabemos que o valor da descoberta original só chega depois que é confirmada, repetida em outros laboratórios, muitas vezes do outro lado do mundo.
Se não for assim é dinheiro jogado fora, independente de onde foi publicada.
Uma forma de divulgar mais rapidamente resultados e descobertas científicas chama-se preprint.
O preprint é um artigo científico compartilhado publicamente na internet antes de ser submetido a uma revista tradicional.
Ele não inviabiliza a publicação posterior em um periódico e acelera a ciência.
O pesquisador recebe, em tempo real, críticas de toda a comunidade científica e não somente de poucos especialistas de uma determinada revista e no intervalo de uma gestação.
Essa estratégia de compartilhar dados, já consolidada entre os físicos, ajuda também a registrar internacionalmente a contribuição intelectual do cientista.
Seu compartilhamento tem papel importante para a saúde pública pois permite que o conhecimento se torne acessível rapidamente pela comunidade médica.
A equipe de Thiago Moreno L. Souza da Fiocruz foi a primeira a compartilhar resultados sobre o sofosbuvir, medicamento para hepatite C, contra o vírus Zika.
As descobertas foram divulgadas como preprint e, em seguida, após submetida ao crivo de revisores anônimos, saiu numa revista científica tradicional.
Em 15 de fevereiro desse ano, o cientista compartilhou novo preprint, dessa vez descrevendo o efeito de sofosbuvir contra o vírus da febre amarela.
O estudo segue submetido a uma revista tradicional aguardando a revisão por pares.
No dia 2 de julho, o time da Fiocruz também compartilhou importante achado sobre o efeito terapêutico do sofosbuvir contra o vírus chikungunya.
O trabalho acaba de ser aceito em uma revista tradicional.
Uma das preocupações de quem compartilha descobertas antes de submetê-Las a uma revista tradicional é não ser reconhecido, é não ser citado pelos pares.
No dia 31 de outubro, equipe de Lucio H Freitas-Junior da USP compartilhou preprint descrevendo resultados semelhantes aos obtidos pela Fiocruz, sobre o potencial terapêutico do sofosbuvir contra o vírus chikungunya.
O preprint da USP não citou as contribuições prévias da Fiocruz.
Não citar um preprint, principalmente sendo preprint, é um risco ao movimento de ciência aberta, muitas vezes desestimulado pelas grandes editoras que lucram milhões apoiadas num sistema kafkaniano em que o cientista paga para ler pela ciência que ele mesmo produziu.
Quem é entusiasta de um sistema transparente de compartilhamento de resultados, e cujo reconhecimento depende da confirmação por outros grupos de pesquisa, deve dar exemplo e citar preprints.
Aliás, Wellcome Trust e National Institutes of Health aceitam preprints como referências bibliográficas.
Será ótimo se uma próxima versão do preprint da USP incluir como referências as contribuições anteriores da Fiocruz sobre os efeitos do sofosbuvir contra diversas arboviroses.
Para saber mais:
https://www.biorxiv.org/content/early/2018/07/02/360305
https://f1000research.com/articles/7-1730/v1
https://www.biorxiv.org/content/early/2018/02/15/266361
https://www.nature.com/articles/srep40920
https://www.nature.com/articles/s41598-017-09797-8
https://www.biorxiv.org/content/early/2016/07/06/061671
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